Não é novidade que as expectativas são como areias movediças que nos sugam, afundando connosco os sonhos e desejos que nelas tínhamos depositado, quando estas não se concretizam. Mas quando se trata especificamente das nossas expectativas em relação às pessoas com quem nos relacionamos ou das que essas colocam em nós, é um pouco diferente, pois irão redefinir a dinâmica da relação interpessoal, desequilibrando-a. E isto é válido tanto para a relação de um casal, como entre familiares e amigos.
Penso que todos conhecemos alguém que tem uma certa tendência a cobrar dos outros, seja directamente, seja em conversas com terceiros: “nunca telefonas”, “nunca vens comigo a lado nenhum”, “não me apoias” ou “ele não foi à minha festa, que lata! Eu nunca faltaria à dele”, “não lhe custava nada ter vindo ajudar-me, faço tanto por ela”, “nem demonstrou estar feliz por mim por ter sido promovida!”… e por aí fora. Seja qual for o papel que a figura do “Cobrador” desempenha na nossa vida (talvez sejamos nós próprios, de vez em quando!), a relação com um comportamento-tipo destes terá seguramente certas sensibilidades e dificuldades. Isto porque a ideia que o “Cobrador” tem de quem os outros são, não corresponde à realidade. Ou seja, ele instrumentaliza as pessoas, na medida em que, consciente ou inconscientemente, espera que atendam às suas necessidades afectivas e sociais, esquecendo-se que estas nem sempre irão corresponder às necessidades sentidas pelos outros. Se o “Cobrador” sente que o outro não está inclinado a agir de acordo com o seu interesse, usará estratégias de manipulação, como, por exemplo, a clássica chantagem emocional, para incutir-lhe culpa como forma de coerção, assumindo assim uma postura de subtil superioridade. Desta forma, o outro, que muito provavelmente será mais passivo, é subjugado, por se sentir insuficiente, em falta e com a sua auto-estima fragilizada. Tal pode suceder também porque o outro prefere simplesmente evitar o conflito a ser julgado, rejeitado ou sancionado, de alguma forma.
Este é um jogo de poder complexo, com inúmeras nuances, que não seria possível explanar em poucas linhas. No entanto, o que há a reter é que, se cedermos ou acabarmos sendo levados a jogar o jogo do “Cobrador”, estaremos a alimentar a importância que este julga que tem. Estaremos a fazer a sua vontade, contrariando a nossa, e assim lhe dando a razão que ele julga ter: que a sua vontade é mais importante e deve prevalecer sobre a nossa. Assumindo uma postura mais assertiva, em que demonstramos clara e respeitosamente que nem sempre podemos ceder, especialmente quando tal seria contrariar a nossa própria vontade, prejudicando a nós mesmos, podemos equilibrar o fluxo de dar e receber nessa relação, posicionando-nos como um sujeito em situação de igualdade perante o outro.
Patrícia Dias
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