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As consequências de uma visão romantizada da vida

As consequências de uma visão romantizada da vida

Muitos de nós temos conceitos idealizados da vida perfeita, muitas vezes romantizada e pouco realista. E se é certo que sonhar é bom e é das poucas liberdades absolutas que temos, também é verdade que contruir e consolidar imagens mentais muito bem definidas daquilo que desejamos, que não sejam realistas e não partam de uma consciência profunda de nós mesmos, pode levar a grandes desilusões e, consequentemente, sofrimento.

Quando estabelecemos uma meta rígida, cheia de detalhes que exigimos que sejam correspondidos, criamos também elevadíssimas expectativas que dificilmente alguém ou alguma situação poderá igualar. Criamos, assim, pressão em nós e nos outros, arriscando-nos a uma queda violenta quando percebermos que a realidade não é aquilo que esperávamos. Possivelmente por influência dos contos de fadas, filmes e livros românticos, esperamos mais ou menos secretamente viver uma história de amor imaculada como essas que nos arrebatam, ter uma admirável carreira de sucesso ou uma família harmoniosa – enfim, uma vida cor-de-rosa, perfeita, em todos os aspectos. Contudo, não só nós não somos nenhum desses personagens como também não o são os outros intervenientes na nossa história de vida. Todos somos pessoas completas, com sonhos únicos, expectativas, necessidades, uma história de vida que nos moldou. Logo, ao sonharmos, temos de deixar espaço para o imprevisto, para todo o bem que possa vir até nós e que não tenhamos consciência de qual possa ser, pois nem sempre o que queremos é, efectivamente, o melhor para nós. É fundamental sermos flexíveis, maleáveis, adaptáveis, para ir acompanhando a vida sem a carga pesada e rígida dos conceitos que definimos lá atrás, por vezes na infância, e que muitas vezes nos fazem passar ao lado de grandes oportunidades, cegos a tudo o que não encaixe na estrutura que idealizámos ou que nos inculcaram como “certa”.

Pensemos agora como isso se reflecte nos nossos relacionamentos, nas diversas esferas da nossa vida: como se sentirá o outro quando demonstramos que não corresponde às nossas expectativas? Sentir-se-á talvez “pequeno”, que falhou, que não gostamos dele, que não o aceitamos como é (e portanto, não é merecedor do nosso afecto, respeito, admiração) ou, por outro lado, poderá sentir-se atacado, com o orgulho ferido, assumindo uma posição defensiva, achando-nos arrogantes porque nos colocamos numa posição de superioridade, como se tivéssemos a autoridade para exigir que o outro seja o que não é, para suprimir as suas necessidades – no fundo, servi-lo. Não é injusta esta situação, se todos deveríamos ter a liberdade de sermos, nem mais nem menos, quem realmente somos? Se todos temos igual direito de existir e expressar-nos, sendo fiéis a nós mesmos? O que nos leva a crer que somos mais importantes do que o outro e, portanto, as nossas necessidades deverão ter prioridade sobre as suas ou que a nossa “Verdade” é mais “verdadeira” que a sua?

Quando se trata de nos relacionarmos com pessoas de quem gostamos, seria positivo para ambas as partes trabalhar na aceitação do outro e reconhecer que temos também um papel de responsabilidade em aprendermos a lidar com as suas características, ao invés de simplesmente lhe apontarmos o dedo e nos esquivarmos de qualquer responsabilidade. É claro que há limites e esses são claramente definidos pelos valores do respeito e não devemos permitir que ninguém os ultrapasse – há que dar espaço ao outro, não o limitar na sua expressão pessoal, mas isso não deve ser nunca às custas de nos traírmos. É esse ponto de equilíbrio que é tão difícil de encontrar e por isso gerir as relações humanas é uma tarefa complicada e, por vezes, árdua. Requer um olhar atento ao outro e a nós mesmos, pleno de compreensão, compaixão, que nem sempre estamos dispostos a dedicar-lhe.

Seja nos relacionamentos amorosos, seja na vida familiar ou profissional, devemos sempre permitir-nos estar no fluxo da vida, atentos aos sinais que nos vão guiando pelo melhor caminho, sabendo que estamos sempre em construção, bem como o mundo, sem nos fecharmos a outras possibilidades. Como pode o nosso eu de hoje ainda querer exactamente o mesmo que o nosso eu de há 10, 20, 30 anos? Se assim for, ou nós apresentamos uma evolução diminuta ou então está na altura de reavaliar os nossos objectivos. Se o certo para nós fosse aquilo que teimamos em alcançar, não o teríamos já alcançado?

Há que saber reconhecer quando é o momento de lutar e quando é o momento de deixar para trás e mudar de direcção. Não é fácil! Requer honestidade para connosco mesmos, clareza mental e uma certa dose de coragem para abdicar de um sonho, que poderá já não fazer sentido. Mas vale a pena, para alcançar um novo, fresco e revigorante sonho!

Texto de Patricia Dias

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