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Desigualdade Após o Divórcio: O Peso Invisível Que Continua a Cair Sobre as Mulheres

Desigualdade Após o Divórcio: O Peso Invisível Que Continua a Cair Sobre as Mulheres

A sociedade fala cada vez mais sobre igualdade de género, sobre direitos e deveres partilhados entre homens e mulheres, e sobre a importância da corresponsabilidade na educação dos filhos. Mas, quando observamos de perto a realidade após um divórcio, a teoria muitas vezes não coincide com a prática.

O que se verifica em inúmeros casos é um desequilíbrio gritante: enquanto muitos homens são vistos como pessoas que “seguem em frente e refazem a vida”, grande parte das mulheres continua a assumir sozinhas a carga emocional, financeira e logística da família.

Dois Caminhos Após a Separação

Após o fim de uma relação, é comum assistir-se a dois percursos muito distintos:

  • Ele ganha liberdade: dispõe de mais tempo, recupera a sua vida social, reencontra-se em novas relações e investe em projetos pessoais.
  • Ela fica sobrecarregada: assume a criação dos filhos, a gestão da casa, a estabilidade financeira e ainda enfrenta o peso de um julgamento social que insiste em responsabilizá-la pelo fracasso do casamento.

Esta discrepância traduz uma verdade incômoda: a separação raramente é vivida em igualdade.

O Problema da Pensão de Alimentos

Um dos pontos mais sensíveis é a pensão de alimentos. Na lei, este valor é um direito dos filhos. Na prática, contudo, muitos homens ainda o encaram como uma espécie de “ajuda” à ex-mulher.

As situações mais comuns incluem:

  • Pagamento de valores irrisórios, insuficientes para cobrir necessidades básicas.
  • Processos judiciais arrastados, usados como forma de desgaste.
  • Justificações de alegada falta de meios, mesmo quando há dinheiro para luxos pessoais como cafés diários, jantares, viagens ou bilhetes para o estádio.

Ser “pai responsável” não é apenas transferir um valor mensal mínimo. É estar presente, é participar ativamente na vida dos filhos, é contribuir para o seu crescimento de forma justa e equilibrada.

O Peso Invisível Carregado Pelas Mulheres

Enquanto isso, as mulheres acumulam camadas de responsabilidade:

  1. Financeira – muitas vezes são as únicas a garantir estabilidade, cobrindo despesas escolares, médicas, alimentação e atividades extracurriculares.
  2. Emocional – assumem o papel de apoio incondicional, escutando, acolhendo e acompanhando cada fase dos filhos.
  3. Social – enfrentam o estigma de “mães divorciadas”, como se o rótulo definisse a sua capacidade ou valor.
  4. Pessoal – vivem a culpa e a exaustão, tentando equilibrar trabalho, casa, filhos e ainda a sua própria vida interior.

Mesmo assim, quando o pai aparece ocasionalmente ou “ajuda de vez em quando”, é elogiado. Já a mãe, que vive diariamente em função dos filhos, raramente recebe reconhecimento.

A Presença Que Faz a Diferença

Um dos maiores equívocos normalizados pela sociedade é acreditar que uma presença quinzenal basta. Que tipo de relação se constrói com um pai que aparece de 15 em 15 dias?

Educar exige constância. Exige diálogo diário, acompanhamento emocional, partilha de responsabilidades e tomada de decisões conjuntas. Quando isso não acontece, a carga recai inevitavelmente sobre a mãe.

E o mais irónico é que, quando esses filhos crescem e já não mantêm ligação com o pai, ainda se ouve: “Coitado do pai…”.

Mas a verdade é outra: coitadas são as mães que passaram anos a carregar sozinhas tudo — das contas às crises da adolescência, das noites sem dormir às decisões difíceis.

Porque Esta Desigualdade Continua a Ser Normalizada?

A resposta está enraizada em padrões culturais e sociais antigos, que continuam a ser perpetuados:

  • O homem é valorizado pela sua liberdade, pela sua capacidade de “recomeçar”.
  • A mulher é valorizada pela sua dedicação e pelo sacrifício silencioso.

Enquanto a sociedade aplaudir o homem por pequenas ações e exigir perfeição das mulheres, o ciclo de desigualdade continuará.

É urgente desconstruir esta visão e exigir uma verdadeira corresponsabilidade parental, que não se limita a um valor mensal, mas que se traduz em presença, apoio, partilha e justiça.

Caminhos Para a Mudança

A transformação desta realidade exige esforço conjunto:

  1. Alteração da mentalidade social – deixar de normalizar a ausência paterna e valorizar a presença diária.
  2. Maior rigor na aplicação da lei – garantir que as pensões de alimentos são justas e cumpridas.
  3. Valorização da mulher – reconhecer o esforço invisível de tantas mães que sustentam famílias sozinhas.
  4. Educação para a igualdade – formar novas gerações conscientes de que a parentalidade é um compromisso partilhado.

Conclusão

O divórcio não deveria ser uma condenação para a mulher e uma libertação para o homem. A separação de um casal não elimina a responsabilidade partilhada pelos filhos, nem deveria perpetuar desigualdades tão profundas.

É tempo de mudar o discurso e, sobretudo, a prática.
Enquanto uma parte ganha liberdade e a outra fica sobrecarregada, não podemos falar em igualdade.

A justiça, a sociedade e cada um de nós têm de reconhecer a realidade: a verdadeira responsabilidade parental é feita de partilha, presença e equilíbrio — não de ausências, desculpas ou mínimos esforços.

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